Todos querem falar. Todos se acham no direito de falar. “Mate o bandido, prenda o político e extermine o policial corrupto”, também tem aqueles que vão além: “Esses cariocas merecem sofrer, acham que a vida é só alegria. Vamos jogar bombas no Rio de Janeiro”. É amigos, temos que recorrer a São Sebastião. Pra quem faltou na aula, preferiu ir no bar, ou simplesmente se fecha nas imagens geradas pela televisão e internet, o Rio de Janeiro nasceu assim, em meio ao caos de uma guerra entre franceses e tupinambás. É a mui leal e heróica cidade do Rio de Janeiro, linda, encantadora, maltratada, “purgatório da beleza e do caos”. Foi no meio desse caos que uma das mais fantásticas civilizações se estabeleceu.
Aquela vida que se dá e se reiventa na rua, estabelecida a revelia de quem negava vida e cidadania ao povo. Quando porta se fechava, o direito a vida em plenitude se negava? Tome vida, vida em plenitude de troco. Soavam os tambores do samba, da capoeira, por Iemanjá, reinventava-se a vida. Na fresta, contra tudo e todos, floresceu a civilização que deu ao mundo Pixinguinha, Lima Barreto, Zico, Cartola, Machado, Mané, Noel, Zeca, Leônidas, Di Cavalcanti, Romário, Vinícius, o samba, e tantos outros gênios da raça.
O Rio de Janeiro já passou por isso outras vezes. Pena que não existia jornalismo com helicóptero e nem tanques da Marinha. Sem isso, quase ninguém se lembra. Batalhas intermináveis forjaram um pouco dessa história. De todas essas guerras, ergueu-se uma cidade mais forte, sempre. É preciso analisar todos os aspectos dos acontecimentos de agora. Ponto por ponto, serenamente. Mas sempre com o lembrete de que não se cometa o erro do veredito definitivo. Por aqui os dados rolam sempre, e a força de uma civilização construída em bases tão fortes, com história tão monumental não se rompe assim de um dia para o outro. Bateram o martelo tantas vezes contra o Rio e sua gente. Apressados.
“Enterre-se o futebol carioca” (quanta bobagem se falou nesses anos? Quantos programas de tv feitos para analisar o fim do futebol carioca...quanta pressa, quanta análise superficial...Como se os dramas do futebol do Rio não fossem os mesmos de todo o Brasil...Flamengo campeão ontem, Fluminense campeão hoje) “Enterre-se a cidade”. “Enterre-se a economia”. “Enterre-se esse povinho”. E lá vinha São Sebastião do Rio de Janeiro, reinventada, melhor.
Dito tudo isso, ou como diria a voz do boteco, feita a ressalva do “muita calma nessa hora”, vale pensar uma coisa sobre os acontecimentos dessa quinta-feira, dia 25.
A experiência de varrer a pobreza, o crime e o que esses governantes consideram sujar a cidade para baixo do tapete não é nova. Se alguém não conhece a história, basta ver “Cidade de Deus”. Gente varrida pra longe de seus lugares para não incomodar a zona sul e as pessoas de maior poder aquisitivo. Tal estratégia peca sempre por um detalhe: assim como os adversários esqueciam de combinar planos de marcação com Garrincha, falta sempre combinar com quem é varrido pra baixo do tapete que ele deve ficar ali. Mas lembre-se, um dia essa gente, brasileiros, se reinventam e sempre saem debaixo do tapete levando revolta e sede de revanche.
Mas de qualquer forma, São Sebastião parece que mais uma vez olha pelo Rio de Janeiro. Porque a pasmaceira e a política eleitoreira de jogar pra baixo do tapete parece com os dias contados. Ficou exposta. Algo terá que ser mudado. Ao certo, sabemos apenas que o Rio seguirá. Como sempre seguiu. Nas ruas, na festa, na fresta, no botequim, na favela, na praia, na pelada, no futebol, na sua gente e na civilização de Cartola, Candeia, Pixinga e Noel. Que São Sebastião nos abençoe. Amém.